Motivação:

Quando decidimos estabelecer que este projeto fosse acessível ao grande público da internet, sabíamos da quantidade de pessoas que poderíamos atingir. Dizemos poderíamos porque somos cautelosos e humildes, uma vez que certamente reconhecemos a gigantesca oferta: sites de literatura de inquestionável qualidade pululam no vale fértil das redes sociais, e outros, não tão preocupados com o selo qualitativo, seguem logo atrás na semeadura das letras nesta terra de ninguém - não em menor número, paradoxalmente. A literatura, por incrível que pareça, se alastra não como uma bela cultura vegetal, como uma bisonha erva daninha, porém, procurando absorver fama mineral que alimente o ego seco da raiz. Eis no que diverge o nosso trabalho e o desta horda de escritores que têm aterrorizado os dias com seus autógrafos, espadas e lanças: não necessitamos de visibilidade. Não faz a mínima diferença o número de pessoas que visualizará este blog, faz diferença apenas o fato dele existir. A intenção é ofertar um registro fiel dos dias de um homem cuja existência foi dedicada à busca da beleza, da suavidade, da paz, do amor em todas as suas incontáveis formas, ainda que tenha sido o conflito a via pela qual viajou durante a maior parte do tempo. Venkon Sinjoro Serena reconhece em si mesmo uma expressão ímpar na literatura, ainda que este fato não mereça nem celebração nem repúdio: abre um caminho entre as matas, uma faca de prata nas mãos evoca luz, eis uma estrada! Ali segue o poeta, sozinho...

v. s. s.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

I

Vou estudando
A realidade
Que vislumbro:
O próprio vislumbre é o motivo
Da realidade. Não preciso
Ter pressa nesta ciência
De observação...
Os resultados
Só podem ser
Analisados
Com calma e ao longo
De muito tempo. Tomo nota,
Meticulosamente, das minhas
Sensações, pois o que quero
É que meu estudo possa ser
Um auxílio didático para aqueles
Que começaram no curso depois
De mim, da mesma forma que foi
O estudo de outros uma grande fonte
De alegria onde bebi quando estive sequioso.

Tomo nota, meticulosamente, das minhas
Sensações - são amplas: sou artista, me alimenta
Uma sensibilidade que só pode ser alcançada
Com muita paciência, com muita suavidade,
Com muita atenção. Calma quando a hora
For hora de amar, calma quando a hora
For hora de sofrer, calma quando a hora
For hora qualquer: calma, porque assim
É que se abre absolutamente os olhos.

II

O ser humano tem na alma
A ânsia do prazer imediato:
Que dificuldade, homem do século
Vinte e um, tu tens em dominar
A áurea arte
De cultivar. Queres tudo agora:
A carne, a alegria, a glória inteira
De estar vivo. Nada sabes
Sobre o trabalho árduo, sobre o trabalho
Verdadeiramente árduo, sobre viver e amar
Na luz imensa do trabalho:
Lapida a pedra pouco a pouco, sem pressa
Para que fique perfeita , sem ânsia de recompensa
Pelo mármore trabalhado - ele servirá apenas
Para enfeitar a cova
Desta casca humana
E inocente
Que habitas.

Lapida a pedra
Pouco a pouco:
A tua obra é uma carta
De ti mesmo à posteridade

- Contará tuas glórias, tuas falhas magnas,
Ensinará a quem necessite, inadvertidamente,
Que havia esperança
Em cada fôlego
Que tomaste.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Sutileza
Muda,
Serena
Como uma tarde
Silenciosa de verão,
Alguma leve brisa:

Me remetes à paz
Mais sublime que já
Experienciei.

Inútil
Supor palavras:
É suave, mas isto
Não explica. Paz
No seu sentido mais profundo
É uma onda tão arrebatadora
E íntima que significados não alcançam.
Olha lá! Olha: árvores verdejando
Vida infinita, um sopro do mar tocando
Nossa face como as mãos da própria bondade,
Fé transcendental nas estações, na piedade
Natural dos átomos se reunindo e desintegrando...
Estou f
eliz, esta é a atitude mais inteligente
Possível:

Felicidade
Sem palavras.

domingo, 3 de agosto de 2014

Me esforço profundamente
Para me contentar com o que me cerca,
Para me contentar com o que há,
Para me contentar em ser:
De tanto esforço, consigo,
Me contento, me agrado,
Não reclamo...

Mas, ai de mim, como dói
Cair lá de cima dessa religião
Estúpida que é a felicidade
E dar de cara com o chão duríssimo,
Dar de cara consigo mesmo
Diante da turba pronta
Para o linchamento: o ladrão
Tentou ser mais esperto que todos,
Tentou fugir por cima dos telhados,
Porém caiu de cara, quebrou dois dentes
E apanhou muito
Dos populares... Pobre
Gatuno que tentou
Ser mais esperto
Que os populares...

Não sabias que a vida em cima dos muros
É escorregadia? Após a inevitável queda,
A dor surge e o espírito enorme da alegria é
Banalizado: resta apenas a estética da queda,
Ainda que seja muito óbvio que seu valor é
Quase nulo – eis: a beleza resguarda
Principalmente quem sofre de orgulho.

Se esforçar verdadeiramente

À felicidade é uma fuga soturna
Por cima dos telhados
Do mundo...

Me esforço. A principal preocupação
É não me preocupar. A dificuldade
É impensável: se eu cair de novo
Pode ser que eu quebre o pescoço, morra,
E eu não quero isto...
Não sabias
Que a vida
Em cima dos muros é
Escorregadia? A queda
É inevitável:
Saberás.