Motivação:

Quando decidimos estabelecer que este projeto fosse acessível ao grande público da internet, sabíamos da quantidade de pessoas que poderíamos atingir. Dizemos poderíamos porque somos cautelosos e humildes, uma vez que certamente reconhecemos a gigantesca oferta: sites de literatura de inquestionável qualidade pululam no vale fértil das redes sociais, e outros, não tão preocupados com o selo qualitativo, seguem logo atrás na semeadura das letras nesta terra de ninguém - não em menor número, paradoxalmente. A literatura, por incrível que pareça, se alastra não como uma bela cultura vegetal, como uma bisonha erva daninha, porém, procurando absorver fama mineral que alimente o ego seco da raiz. Eis no que diverge o nosso trabalho e o desta horda de escritores que têm aterrorizado os dias com seus autógrafos, espadas e lanças: não necessitamos de visibilidade. Não faz a mínima diferença o número de pessoas que visualizará este blog, faz diferença apenas o fato dele existir. A intenção é ofertar um registro fiel dos dias de um homem cuja existência foi dedicada à busca da beleza, da suavidade, da paz, do amor em todas as suas incontáveis formas, ainda que tenha sido o conflito a via pela qual viajou durante a maior parte do tempo. Venkon Sinjoro Serena reconhece em si mesmo uma expressão ímpar na literatura, ainda que este fato não mereça nem celebração nem repúdio: abre um caminho entre as matas, uma faca de prata nas mãos evoca luz, eis uma estrada! Ali segue o poeta, sozinho...

v. s. s.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

I

Eu tenho procurado
No fundo de muitas noites:
Eu tenho procurado em vão...
O que persigo é uma ilusão minha
E negro como a própria escuridão.

Onde foi que deixei escondido
O amor que eu tinha por eu?
Onde foi? Não lembro: o amor
Que eu tinha por eu guardei tão bem
Que o perdi. Eu tenho procurado...

Noites escuras! Como a inocência
De paladar e tato
Indagando a esmo
Migalhas de mim mesmo?
Grande erro, grande erro
Que cometi: esquecer
Da minha própria essência
Num canto de mim como
Se esquece uma carteira
Em um balcão de bar!

Me flagelo
Ao lembrar
Meus erros -
Ignoro que sou
Humano.
Eu tenho
Procurado,
Mas não
Me preocupo
Em encontrar...

II

Quem explora

As trevas rapidamente
Descobre que
Não existe fim.
A fronteira
Na escuridão
É quimera...

III

Quem me dera
Um beijo
Do mais rico

Dos deuses:
Hades, amado,
Em breve te darei
Uma moeda
E um olho.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

A lua está
Nos primeiros
Graus de escorpião:
Hoje é dia de silêncio.

A lua enquadra mercúrio
E caminha em direção
De um trígono com vênus:
Hoje convém silêncio.

As guerras,
As separações,
As injustiças,
As desordens:
Começam com
Uma palavra.

Escorpião é um signo mudo.
Intuição: um hábito.
Sentir: um treino.

Hoje
A palavra

É vácuo,
E todas as literaturas
Supérfluas:

A lua está
Nos primeiro graus
De escorpião...

Eu, sensível, engasgo e morro
Com meu próprio
Veneno...

domingo, 25 de janeiro de 2015

Sonhei
Acordado
Durante toda
A minha vida com
Possibilidades místicas.
Eis: para dar de cara com deus
É preciso retirar-se da presença
Dos homens.

Os homens são armadilhas:
São fragmentos de deus, mas
Podem, muito facilmente,
Arrastar uns aos outros para
Muito longe do propósito divino.
Os homens são armadilhas:
Para dar de cara com deus
É preciso retirar-se da presença
Dos homens.

Não são maus, mas não são bons também -
Esta indiferença é o pior crime que existe -
Afasta-te dos homens para que um dia
Possas reaproximar-te deles:

Foi necessário que Jesus conhecesse a triste
Secura do deserto para que entendesse que
Um oásis é mais do que uma felicidade simplista.

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

I

Vivessem
Na terra
Os anjos
Como vivem
Os homens -

Anjos
Seriam?



II

Nenhuma
Vírgula
Sequer
Fora do lugar,
O desnorteamento
É uma ilusão: tudo,
Absolutamente tudo
Está
Onde deveria
Estar.

É este o maior absurdo
Do qual já se teve notícia:
Nenhuma vírgula sequer
Fora do lugar...

domingo, 28 de dezembro de 2014

Sendo um homem
Frequentemente sentado
No ofício do pensamento,
Pergunto-me o seguinte:
Quantos dias adiante,
Quantas frutas no pomar?

Meu caderno tem folhas
Em branco, um número
Imensurável, porém definitivamente
Finito. Sendo um homem,
Frequentemente, sentado
No escritório de pensar,
Pergunto-me: eu?
Realmente eu?
Por que não outro eu?
Quantos dias adiante,
Quantas folhas no caderno,
Quantas frutas no pomar?

Já tomei goles largos, largos
De vida, embebedei-me,
Ainda assim não
Saciei esta sede profunda
Que amarga-me.
Números inúteis, questões
Inúteis. Não podendo conter
Em mim todo o conhecimento
Do universo, qual a utilidade
De uma parcela ínfima?
Onisciência
Ou morte -
Depois banalidade
Da onisciência
Ou carisma enigmático
Da morte...

Quantos dias
Adiante?

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Eis
A verdade: sou
O lado escuro
Da lua, a intuição
Sutilíssima e negra,
A quinta-feira
Esquecida no passado
E também
A semana
Que vem...

O que não englobo?
Tudo me pertence
E eu pertenço ao todo.
Não gozo a minha vida,
Gozo a própria ilusão,
Aquilo que chamamos
Realidade, mas não sabemos
A essências das frases
Vagas, as lâminas
Cegas, as tardes
Mudas que não passam...
Amo estas tristezas
Tanto que para mim
São felicidades!

Me deixo levar pelo vento
E pelo farfalho de árvores
Que parecem monstros
No escuro.
Não quero
Me preocupar - há
Um motivo, é óbvio,
Há um motivo por detrás
Disto que experiencio
Quase sem querer...
Há um motivo, é
Óbvio!

Se este mundo e estes dias
Fossem para ser levados a sério,
Aí então é que seria impossível
Qualquer coisa como sanidade,
Bom senso ou razão... Abaixo
As ordens todas:

Porque quero viver,
Mordo,
Porque quero amar,
Mato.

sábado, 20 de dezembro de 2014

Caminho entre matas
Que não têm caminho:
Desbravo. Tenho nas mãos
Uma faca de prata, mas
Não corto o verde -
A lâmina argêntea
Na minha mão direita,
Alva, evoca luz apenas!
Eis: meu punhal é sereno,
Meu punhal é humilde,
Meu punhal sabe cortar,
Mas prefere não.

Sem ferir
Enquanto passo,
Deslizo: sou a cobra,
O índio, a rã, a noite,
O rio. Caminho entre
As matas que não têm
Caminho: desbravo -
Me sinto tão feliz
E à vontade neste
Mundo, tão calmo,
Que por minha mão

Não brota a seiva
Doce dos ramos:
Eu quando vou
Sou um vento sutil...

Eis o primórdio das raízes:
Nas matas,
Emaranho.
I

Tenho cometido
Esforços hercúleos
Para abusar de todas
As drogas do mundo
E, por doença autoinduzida,
Parar de pensar, talvez parar
De ser. Eu sou insaciável!

Quando a sede é eterna
A consciência
É um insulto.


II

No meu pátio há
Uma parreira muito alta
Que dá frutos divinos:
Nunca alcancei-os
Com as mãos!
Nunca alcancei-os
Com as mãos,
Porém fiquei
De boca aberta
Abaixo, esperando:
Abocanhei no ar
Um ou outro,
Mas nunca alcancei-os
Com as mãos...

Esta parreira
É a arvore
Da vida,
Do conhecimento
Do bem e do mal -
Esta parreira é colossal
E seus frutos são inalcançáveis
Às mãos de quem
Não sabe dos sussurros
Das colheitas
E dos segredos
Dos sonhos...


III

No meu pátio:
Tuas raízes abafam
Todas as vozes insignificantes
Do mundo.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Os astrólogos
Sabem!
Sabem?
Algo perdeu-se
No caminho:
Uma cigana leu
O meu futuro
E o meu céu
E me disse que eu
Seria um bom pai
E um bom marido,
Mas que, por ter nascido
Sob o augúrio de Leão,
Dezoito de agosto de mil
Novecentos e sessenta,
Às vinte e três horas e vinte
E três minutos, meu demasiado
Ímpeto sexual colocaria em risco
A minha família...

Os astrólogos sabem...
Sabem?
Algo perdeu-se no caminho:
Não tive filhos senão cães,
Meu desejo sexual é uma ardência
E eu já pensei em copular com animais...
Se deuses existem
- Existem! -
Me condenaram por puro gosto,
Crianças medonhas
Queimando insetos
Por diversão.

Estou ligado à verdade
Universal, ao destino dos homens,
E ser um pouco mais aberto me faria muito bem.
Os astrólogos sabem
Que as nossas principais qualidades
Tem muitas chances de se tornarem
Nossos principais problemas. Eis
O que aconteceu comigo:

Os oráculos disseram que eu teria a sensibilidade
De um poeta, porém nunca disseram que isto seria
Uma bênção...

Sofro
Meus
Dons.
Isto é tudo.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Todo poeta que preze a arte
Acaba, em dado momento,
Abandonando a arte:
Vai pra África selvagem viver
De crimes ou suicida-se
Numa tarde silenciosa
De abril ou morre de desgosto
E cai numa cova apertada.

É um filho do exagero!
Isto ninguém pode compreender!
É um filho do exagero e,
Por menos que possa parecer,
O poeta é um filho do silêncio -
Escreveu em papéis duzentas e poucas
Frases, mas no fundo da mente é que jaz
O infinito verbo invisível...

Arranca a própria orelha! Bebe uma dose
Cavalar de estricnina! Dispara,
A todo instante, tiros
Contra o próprio
Peito...

Todo poeta - existem muitos! - que preze
A arte, em dado momento, abandona
A arte, imitando assim um amante
Que, apesar do apego e do sofrimento,
Foge, porque todo amor que preste
Está fadado ao desuso...
A morte virá. O futuro é a morte.
Isto é uma sentença! Isto
É um aborto sofrível,
Porém espontâneo.
Quando a voz cala-se,
E ela há de calar-se,
Não resta nada contudo silêncio.

Quando a voz
Cala-se?

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

I

Analisando em mim mesmo
O conceito ridículo e ultrapassado
De felicidade conjugal, pensando como pode
Ser possível e útil o enfadonho amor romântico,
Acabo chegando à seguinte conclusão:
Bobagem tudo isto. Tem me interessado mais
Observar com serenidade, contemplar as obras
Da vida de longe, anotar tudo em um caderninho
Tosco, etiquetar sentimentos, selecionar
Memórias como quem espeta borboletas
Ressecadas para coleção. Distância
Desta doença melodramática é o que peço!

Mas, desgraça, Loise: é um absurdo que tenhas
Olhos tão lindos e vagos, tão negros quanto
A Primeira Estrela...

Eis: tal escuridão é um feitiço!


II


Eu entreguei a minha alma! Cortei minha mão em sinal
De docilidade e sangrei dentro do caldeirão do teu corpo
Toda a minha imbecilíssima obediência... Que me sobrou,
Loise? É um absurdo que tenhas
O que tens: tudo
Te pertence.

Falhou o ritual, minhas mãos,
Contudo, ainda
Sangram: te invoquei ao mundo,
Súcubo, amada, mas rompeste
O círculo, Loise, fugiste...

Tem me interessado mais,
De longe, observar as obras
Da vida, mas - desgraça -
Uma dor quebrou toda a atenção
Que eu depositava no horizonte:

Minhas mãos
Ainda
Sangram.
I

Ter em mente esta certeza
Tola, muito tola, de que estamos
Sozinhos na terra, desde o nascimento
À morte: baboseiras!

Veja bem, solidão é, na realidade,
Solitude. No meu caso, ao menos, solidão
Não é solidão, é solitude. No teu caso
Eu já não sei o que é.

Eis: onde dormem os sentimentos
Quando não os sentimos?


II

Deixemos
De lado
A separação
Das massas:
Percebo, suavemente,
O universo como um único
Bloco - e o mais incrível
Nisto tudo é que
Eu faço parte dele!
De onde eu vim
É um mistério,
Mas sei que, do mesmo
Lugar, tudo veio junto.
O destino das coisas

É o mesmo para mim
E para as coisas:
Não importa.

Ao que sentimos
Não devemos chamar
Solidão: perdidos em pensamentos,
Não percebemos que está aqui
Tudo quanto está...

Paz é atributo
Natural a um local
Apenas: o fundo silencioso
E negro
Da mente
Humana.

Chamar de solidão
Este encontro inenarrável
Do ser sereno com o estar profundo
É, no meu reino fantasioso,
Crime hediondo,
Tristeza grave,
Pena de morte...
Para um menino
Que nasceu sem pai
Qualquer influência pode
Ser uma alegria ou uma tristeza,
É isto: não ter pai é não saber medir,
Não saber aguardar, desconhecer
Planejamentos, ignorar um mundo
Silencioso e masculino.
Ninguém que possa ensinar
A complexa arte de afiar facas,
Ninguém que saiba que olhares
Severos são também templos
De candura paternal.
Onde a firmeza
Necessária
À gentileza?


- Um menino
Sem pai
Nasce
Ao avesso...

Uma alegria,
Se o amor que faltou
É redobrado e afirmado
Por aqueles que ficaram...

Uma tristeza,
Porque, a quem foi abandonado
Uma vez sequer,
Todo amor do mundo
Sufoca.