Motivação:

Quando decidimos estabelecer que este projeto fosse acessível ao grande público da internet, sabíamos da quantidade de pessoas que poderíamos atingir. Dizemos poderíamos porque somos cautelosos e humildes, uma vez que certamente reconhecemos a gigantesca oferta: sites de literatura de inquestionável qualidade pululam no vale fértil das redes sociais, e outros, não tão preocupados com o selo qualitativo, seguem logo atrás na semeadura das letras nesta terra de ninguém - não em menor número, paradoxalmente. A literatura, por incrível que pareça, se alastra não como uma bela cultura vegetal, como uma bisonha erva daninha, porém, procurando absorver fama mineral que alimente o ego seco da raiz. Eis no que diverge o nosso trabalho e o desta horda de escritores que têm aterrorizado os dias com seus autógrafos, espadas e lanças: não necessitamos de visibilidade. Não faz a mínima diferença o número de pessoas que visualizará este blog, faz diferença apenas o fato dele existir. A intenção é ofertar um registro fiel dos dias de um homem cuja existência foi dedicada à busca da beleza, da suavidade, da paz, do amor em todas as suas incontáveis formas, ainda que tenha sido o conflito a via pela qual viajou durante a maior parte do tempo. Venkon Sinjoro Serena reconhece em si mesmo uma expressão ímpar na literatura, ainda que este fato não mereça nem celebração nem repúdio: abre um caminho entre as matas, uma faca de prata nas mãos evoca luz, eis uma estrada! Ali segue o poeta, sozinho...

v. s. s.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

I

Pouco depois de nascido

Te abandonaram: não ao descaso
Das crianças de rua, sem pai e mãe,
Porém à sufocante necessidade
De imperar sobre os homens.
Ah, Pedro, meu amado, que saudade
Eu sinto de ti! Vejo as tuas fotos
E a dor nelas é palpável - a forca
Em torno do teu pescoço
É a mesma à qual fui condenado!
Que farias, meu amigo solene,
Magnânimo, caso não repousasse sobre
Teus ombros um império desde teus tenros
Cinco anos de idade?

Terias te casado com outra mulher, bonita e deseducada,
Terias a vida simples de choupanas e campos? Quem sabe
Se longe da corte terias sequer chegado à vida adulta?
Que digo? É bastante óbvio que poderias ter fugido
Do teu papel primordial, mas o que seria, então, do povo
Que tomaste teu, do povo que levaste ao peito,
Do povo que viveu e morreu tua causa - que era a causa
Desta terra Brasil - enquanto morrias sem viver? Quem
Teria dado ao Brasil
O nome que ele tem?

Pedro de Alcântara, amigo, amado, te vejo ainda:
N'outro universo não foste imperador, foste poeta,
Sapateiro ou cientista, tudo, tudo menos o cocheiro
Que conduz com tristeza uma carruagem por estradas
Difíceis e se ressente muito em ter que estalar o chicote
Aos cavalos assustados.

Sou mui similar a ti, amado, então empaticamente
Sofro um tanto por nós dois: imperadores que constroem

Muros altos e fosso de fortaleza, mas que juram, juram amar
A liberdade, a paz, o amor acima de tudo. Se não houver
Uma certa resiliência tola no nosso caráter, camarada, que

Condições temos de sobreviver? Um pouco de burrice
Cultivada dentro de si nunca fez mal
A ninguém - e não há quem entenda e execute
Esta verdade como teu povo
Estúpido, estupidamente
Amoroso às pequenas
Razões da vida...


II

Eu
Te escrevo,
Tu
Já morto:
Ainda assim,
Sei que me lês.
Amigo, um brinde!

Um brinde, gole cheio:
O simples fato de eu te lembrar
E tu seres uma imagem pra mim
É a dignidade inteira do universo
Acontecendo absurdamente
Entre uma ponta e outra
Do tempo
Redondo.

Um brinde!
Se não tu
E eu neste brinde,
Quem mais?

Sou, dentre homens,
O que mais te amou.

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